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Fui síndico do meu prédio. Mandava pra caramba! Minha palavra era lei. Ninguém queria o meu lugar: “ser síndico, Deus me livre”, diziam os demais moradores. Sentia-me poderosíssimo. De repente, num dia comum resolvi me apresentar ao jornaleiro da esquina como síndico do meu prédio e, para minha surpresa, ele disse: “e daí?”. Caí na real: ser síndico do meu prédio não significava nada, a não ser para os poucos moradores que me conheciam.

E se eu fosse administrador do meu bairro, da minha cidade, do meu estado, etc.? Ah, isso sim, muitas pessoas me adulariam, receberia muitos presentes, seria convidado a participar de eventos sociais e teria acesso a um orçamento muito maior e flexível do que o minguado orçamento do meu prédio. Nossa, isso significaria poder quase ilimitado! E se às vezes eu errasse, por um descuido ou por incompetência, a solução seria encontrar uma desculpa para me preservar ou esconder a falta usando um artifício legal e/ou contábil.

Conclusão: quanto maior o meu universo, maior o meu poder e maior a possibilidade de tirar proveito destas relações. Eu poderia obter vantagens materiais e financeiras que me ajudariam a melhorar de vida ou, pelo menos, manter meu status atual. Lógico, me transformaria numa pessoa vaidosa e a própria vaidade, inerente ao poder, acabaria retroalimentando o processo: quanto mais eu mandasse, mais eu gostaria de mandar e mais eu desejaria o poder e isso me faria lutar para continuar no comando, e assim a roda continuaria girando para o mesmo lado.

Semelhantemente aos políticos, assim são alguns cartolas de clubes desportivos. Aliás, grande parte deles são, também, políticos profissionais e, com o intuito de perpetuar-se no poder, prometem o que não podem cumprir e iludem a massa. No caso dos maus políticos, o público alvo são os eleitores locais, municipais, estaduais e/ou federais. No caso dos cartolas, o público a “enrolar” é o universo de torcedores do clube e seus sócios. Assim como os políticos, os cartolas também usam a massa em proveito próprio.
Na política, seja ela partidária ou desportiva, a regra é uma só: primeiro tentar ganhar a eleição no voto (quaisquer que sejam os recursos disponíveis), convencendo o maior número de incautos possível. Depois de eleito, se a popularidade desabar e perder o apoio popular, a alternativa é tentar se agarrar com unhas e dentes ao poder, usando os artifícios legais existentes e os argumentos emocionais possíveis.

Parece difícil tapear a massa, mas não é! Tudo depende da capacidade que o indivíduo tem de convencer as pessoas. Se o cartola é pós-graduado em trapaça, um verdadeiro “171”, com certeza deve conhecer muitos artifícios para enganar as pessoas. Quantos políticos nos decepcionaram? Quantos cartolas nos decepcionaram? No princípio nós confiávamos neles. Somos idiotas? Não! Nos fizeram de idiotas. Essa é a especialidade desses indivíduos. E quanto mais experientes são, maior a probabilidade de nos enganar.

No caso de um clube desportivo de massa, a preocupação dos postulantes ao poder é atingir e convencer dois grupos distintos de pessoas: um composto unicamente de torcedores e outro composto de sócios. O torcedor é a razão de existir de um clube competitivo que se propõe disputar torneios contra outras agremiações. Ele é o peso da instituição, é o quanto a instituição vale, é o bônus financeiro: quanto maior a torcida, maiores os contratos publicitários e de venda da imagem e cotas de televisionamento, etc... Nessas instituições os candidatos ao poder tentam enganar as pessoas, aumentando sua influência e obtendo sua cumplicidade, prometem mundos e fundos, se vestem de idôneos e sérios, usam discursos demagógicos, ícones e ídolos que fazem parte da história da organização e até lançam mão de slogans e frases de efeito.

Ao contrário, o verdadeiro torcedor escolheu, unicamente, entregar seu sentimento à instituição, incondicionalmente, sem exigência alguma, e isso o transforma em um alvo fácil para os aproveitadores. E esses aproveitadores sabem que sempre haverá mais torcedores do que sócios, por isso procura se misturar entre eles, escondendo-se na multidão, como se dela fizesse parte, usando a mesma linguagem. Mas às vezes a casa cai. A falácia desmorona e a realidade vem à tona. As bravatas não colam mais. Aí, com poucos a apoiá-lo, só resta utilizar o artifício da autocracia, da ditadura, das ações monocráticas, que só podem ser sustentadas pelo outro poder, o poder dos sócios.

E quem são os sócios? São aqueles que, independentemente de torcer pelo clube (pois isto não é obrigatório) resolvem se associar à instituição por simpatizar com ela (torcem por ela), por ver nisso um bom investimento, ou são “incentivados” por terceiros, etc.. De qualquer forma concordam com suas regras e regulamentos e pagam (ou deveriam eles mesmo pagar) taxas, contribuições e/ou mensalidades determinadas. Aprovada a proposta de filiação, passam a ter direito (ou deveriam ter) de interferir no funcionamento da agremiação. Observadas as carências, podem até votar e ser votados. Hum, entendi! Votar e ser votado, aí está o ponto crucial dessa barafunda que leva o comandante ao poder e só os sócios podem dar esse empurrãozinho. Siga o raciocínio do candidato: quem controla os sócios, controla a administração do clube, quem controla a administração do clube, controla o dinheiro e mesmo que os inocentes digam que o dinheiro não traz a felicidade, a maioria corre atrás dele.

E o torcedor? O torcedor é sempre Vascaino, faz número, tem valor, representa o clube, faz a festa, atrai investidores e patrocinadores, mas não possui poder formal, não elege diretor, não influencia no futuro da instituição. Ao contrário, o sócio, que pode nem ser Vascaino, é a chave do processo. O torcedor não interfere diretamente no funcionamento do clube mas o sócio pode eleger, não só o presidente como todo um grupo enorme de pessoas que passam a deter o poder dentro do clube. Ah, se eu pudesse escolher, selecionar, definir, limitar, excluir, controlar o sócio, nunca mais seria sindico do meu prédio. Alçaria voos mais altos... Seria o Rei dos “mensaleiros”.

Assim é o Vasco da Gama de hoje, que graças ao seu ultrapassado Estatuto, permite que medidas estapafúrdias sejam tomadas, sem que se questione sua moralidade; que punições a sócios sejam impostas antes de sua defesa; que a defesa de uma punição já imposta, seja apresentada a um Conselho interno de Justiça controlado pelos pares do acusador e punidor; etc.,etc.,etc.. Um Estatuto sem verniz democrático, que convive com o poder monocrático e admite decisões autoritárias, precisa, urgentemente, ser atualizado. Este Estatuto não orgulharia nossos fundadores nem as diretorias que consolidaram o Club de Regatas Vasco da Gama como uma das entidades mais democráticas do país. Um instrumento como este Estatuto não está à altura da história do Vasco.

No mais, a realidade é que o verdadeiro torcedor, somente torcedor, pode estar sendo conduzido por mares revoltos, comandados por capitães insanos, com a promessa à tripulação de que a grande nau Vascaina encontrará, brevemente, águas serenas onde navegará rumo às vitórias. Porém, não nos surpreendamos se o destino final for o triângulo das Bermudas...

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