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Deus de calção e chuteira. Foto vencedora do Prêmio Esso em 1977. Deus de calção e chuteira. Foto vencedora do Prêmio Esso em 1977.
Foto: Ronaldo Teobald.

            Em maio de 2020 fará quarenta anos que Roberto Dinamite voltou a entrar em campo pelo Vasco, após curta passagem pelo Barcelona –ESP. Aqui relembrarei o jogo onde Dinamite fez todos os cinco gols do Vasco contra o Corinthians, sendo um gol mais bonito que outro. Mas, antes de falarmos do jogo da reestreia, é necessário entender todo o contexto que levou até aquele retorno marcante para todos os vascaínos.

A primeira sacanagem de 80¹

            Terminado o ano de 1979 em segundo lugar do campeonato brasileiro, o torcedor vascaíno esperava que o time fosse reforçado para a temporada seguinte. Só que a torcida vascaína NUNCA tem paz. Inacreditavelmente, em janeiro de 1980, o Vasco anuncia a venda de Roberto para o Barcelona por 34 milhões de cruzeiros (atualizando os valores para 2020 daria pouco mais de oito milhões e meio de reais).

            A edição 506 da revista Placar deu voz a ilustres vascaínos para que emitissem suas opiniões sobre a venda de Dinamite. Destaque para Chacrinha e Paulinho da Viola. O velho guerreiro deixou claro que o único que podia compensar a saída de Roberto era o Falcão. Já Paulinho lamentou e disse que dinheiro não era o importante, e sim gol.

            Para além disso, a edição destacou que o namoro entre Roberto Dinamite e Barcelona vinha desde os jogos do Vasco feitos na Espanha em 1975 e em 1979 e sua ida para o Barcelona não era nenhuma surpresa. Portanto, a década de oitenta começava de luto para os vascaínos.

O Barça ainda não era mais que um clube

            Entretanto, após dois meses na Espanha, na edição 516 da Placar, ‘Dinamita’ — como era chamado lá — já dava entrevista projetando sua volta para o futebol brasileiro. Muitos motivos são apontados para o fracasso do artilheiro cruzmaltino. Motivos que vão desde o clima ameno de Barcelona até problemas com o técnico Helenio Herrera.

            O fato é que o Barcelona vivia uma de suas maiores crises na virada da década de 1979 para 1980. No momento da eminente saída de Roberto o clube estava eliminado da Copa do Rei, perto do tombo na Taça dos Clubes Vencedores de Taças e mal na La liga, ou seja, o Barcelona corria o risco de não se classificar para nenhuma competição europeia no ano seguinte (acabou terminando em quarto no campeonato espanhol).

            Joaquín Rifé, o técnico que pediu Roberto, falava que o seu problema era de adaptação, mas o momento que o Barcelona vivia não daria tempo para que esta adaptação ocorresse. Em verdade, no Vasco todos jogavam para Roberto, no Barcelona era cada um buscando seu espaço. A queda de Rifé, pelos maus resultados, e a sua substituição por Herrera, culminaram no desejo de sair de Roberto, pois se sentia injustiçado.

            O novo técnico não gostava de seu futebol e desejava a volta de Krankl, que estava emprestado, o austríaco que Roberto fora substituir. Assim, a volta ao futebol brasileiro era vista com bons olhos para valorizar novamente seu futebol e demonstrar que o problema no Barcelona não era ele. ‘Dinamita’ queria voltar a ser Dinamite.

No flamengo não

            É de conhecimento geral que o flamengo foi atrás de informações de Roberto no Barcelona, o próprio Presidente (Márcio Braga) rubro-negro foi pessoalmente até Barcelona, e só aí o Vasco entrou na parada. Mas essa tentativa de contratação foi mais do que uma conversa e buscas por informações. Até aquela entrevista, na já mencionada edição 516, sua volta era para o FLAMENGO! Roberto chegou a falar que sua ida para o rival do Vasco era sua vingança.

            “Jogando pelo flamengo, vou me reabilitar inteiramente desses dois meses praticamente perdidos. E, aí sim, minha cotação internacional voltará ao ponto em que se encontrava quando o Barcelona foi ao Brasil comprar meu passe. ” DINAMITE, Roberto.

            O próprio Roberto, em entrevista ao Jornal do Brasil, afirmou que acertou um pré-contrato com o flamengo, ligou para o Vasco duas vezes e ouviu que ele não interessava mais. Então, o papel decisivo para a volta do eterno artilheiro ao Vasco coube a torcida, pressionando a direção do clube — que não trouxera ninguém a altura para substitui-lo, e a mídia.

            A influência da mídia pode ser descrita nas palavras de Loureiro Neto — grande radialista já falecido –, no livro ‘Grandes Jogos do Maracanã’:

“[…] o Barcelona mandou ao Rio um representante, o senhor Tousquet, um banqueiro, com o objetivo de obter aqui garantias de pagamento pelo passe do Roberto. O que eu fiz? Colei no Tousquet, que passou a ser minha fonte. […]. Um belo dia, o Jornal dos Sports publicou uma entrevista do Márcio Braga dizendo que o Tousquet não mandava nada, não tinha representatividade. Tousquet me perguntou o que estava escrito. Logo depois, dei carona a ele, no meu Chevette caído, até a Besouro Veículos, onde trabalhava o Eurico Miranda. De lá, o Tousquet ligou para o presidente do Barcelona: ou o Roberto vem para o Vasco ou ele, Tousquet, estaria demissionário. Naquele momento, foi definida a volta de Roberto ao Vasco.”

            Com a pressão da torcida e a influência da mídia, a diretoria vascaína só tinha que botar a bola para dentro e fechar o contrato. E assim fez. Roberto não estava errado, era profissional. O Vasco não o queria antes, o flamengo queria. Mas com a investida vascaína, o sentimento falou mais alto. Roberto era nosso. Dinamite é Vascão.

O jogo do retorno

                A lenda diz que Roberto voltou para o Vasco e, em um Maracanã lotado, fez seu jogo de reestreia no qual marcou cinco gols contra um bom time do Corinthians. Errado. O primeiro jogo de Roberto após sua volta foi no Estádio do Arruda, em Recife, contra o Náutico. O Vasco ganhou de um a zero. O gol não foi dele.

            Mas também não era o Maracanã. Não tinha mais de cem mil pessoas o vendo. Talvez tenha se guardado para um momento especial. Para o reencontro com a torcida que sempre o empurrou. O jogo que marca a volta de Roberto vestindo a camisa do Vasco pode ser esse contra o Náutico, mas o retorno de Dinamite ocorre mesmo é no Maracanã. Uma máquina!

            O Corinthians vinha de uma goleada de cinco a zero no Vitória e era o franco favorito, com Sócrates, Caçapava, Basílio, Zé Maria, entre outros. O duelo com o Vasco decidiria quem passaria em primeiro no Grupo E para a terceira fase do campeonato brasileiro de 1980. Não era um jogo qualquer.

            Para a sorte do Vasco, Caçapava e Sócrates estavam gripados, porém isso não impediu o primeiro de abrir o placar para os alvinegros aos onze minutos do primeiro tempo. Segundo o jornalista Milton Costa Carvalho, quando saiu o gol de Caçapava o nome de Dinamite começou a ser entoado a plenos pulmões. Ele tratou de responder igualando o placar dois minutos depois e começava a se tornar o protagonista do jogo.

            Vorazmente ele continuou. Aos 27 minutos fez outro, dez minutos depois mais um e aos 39 do primeiro tempo, fez seu quarto gol. Dinamite explodiu, o Maracanã explodiu, o homem voltou. Sorte não teve foi o técnico do Vasco, Orlando Fantoni, que havia dito para não esperarem muito de Dinamite. A cada gol o Repórter vinha indagá-lo sobre o que havia dito antes da bola rolar.

            Um fato curioso é que, em abril de 1980, o presidente Márcio Braga declarou ao Jornal dos Sports que apoiaria a torcida corinthiana nos jogos no Rio de Janeiro. Nesse sentido, aproveitando a rodada dupla, onde primeiro jogaria flamengo x Bangu e depois Vasco x Corinthians, deu-se início a Fla-Fiel. A torcida flamenguista ficou no Maracanã para torcer contra Roberto.

            Após o quarto gol do Vasco, do Dinamite, a torcida do flamengo que estava junto com a do Corinthians no lado esquerdo, anel superior, começou a deixar o Maracanã. E a torcida vascaína, claro, começou a cantar adeus. Alguns devem ter voltado, pois o árbitro Carlos Rosa Martins marcou pênalti para a equipe alvinegra logo após o quarto gol vascaíno. Sócrates converteu.

            No segundo tempo, o Corinthians foi para cima com tudo. Teve a chance de diminuir, mas perdeu. Sócrates de cabeça e sem goleiro…incrivelmente para fora. Também teve pênalti claro não marcado. O Vasco se segurava e jogava nos contra-ataques. E foi em um desses que Dinamite matou o jogo. Uma finta de corpo e um tirambaço para o gol. O mais bonito! Roberto 5x2 Corinthians.

            Após o jogo, Dinamite afirmou:

“Fazer gols também faz parte da minha rotina. Por isso tentei fazer tudo rotineiramente. Pensei: sempre fui artilheiro. Quem sabe fazendo tudo como nos meus seis anos de Vasco volto a ser o grande artilheiro do time? Deu certo. ”

            Bendito seja Roberto, bendito seja o Vasco.

notas de rodapé

¹: Frase dita por Sérgio Cabral pai sobre a venda de Roberto Dinamite.

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